Liberdade

A pesquisa abaixo consiste em fragmentos de fichamentos sobre o conceito de liberdade na obra de Álvaro Vieira Pinto. Eles não são resultado de uma pesquisa sistemática, sendo apenas uma compilação de trechos encontrados. Este fichamento foi elaborado por Rodrigo Freese Gonzatto.

 

O conceito de liberdade em Álvaro Vieira Pinto

Citações no livro: Consciência e Realidade Nacional [volume I: A consciência ingênua]

VIEIRA PINTO, Álvaro. Consciência e Realidade Nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1960. 2 volumes.

  • “O desenvolvimento nacional não é do tipo vegetativo. O país nano evolui como os organismos, que retiram do meio os alimentos que assimilam para crescer. A analogia do processo do desenvolvimento nacional com o crescimento orgânico é limitada e aproximativa. O crescimento orgânico produz-se segundo leis biológicas precisas para o tipo vital em questão; seu curso está sujeito a estrito determinismo cronológico; se condições adversas o perturbam, o resultado será finalmente o perecimento, sem possibilidade de estagnação permanente ou atrofia indefinida. Já o país cresce num ambiente sem homogeneidade histórica, onde há nações em graus diversos de desenvolvimento, as mais fortes exercendo pressões e influências retardadoras sobre as mais fracas, constituindo assim um “meio” onde a nação em desenvolvimento deve lutar não contra o determinismo natural uniforme em relação ao qual, como acontece com o seres vivos, está adaptada, mas contra atos insidiosos de concorrência e espoliação estrangeira. Além disto, o crescimento nacional é processo histórico, enquanto o orgânico é natural. Sendo histórico, não possui determinismo automático, que o configure num suceder de acontecimentos e em ritmo temporal necessários, como se desdobrasse no tempo uma ralação seminal ou cumprisse a realização de uma entelequia. Sendo histórico, o país é o espaço da liberdade, só limitada pelas condições materiais com que se defronta.” (VIEIRA PINTO, 1960 [I], p.29)
  • [VER p.32 sobre LIBERDADE SITUADA]
  • “O filósofo do país periférico não goza da disponibilidade de interpretar o mundo segundo lhe aprouver; nem tem sentido em relação a ele dizer-se que é sujeito à angústia de uma liberdade que não sabe a que se aplicar. Não sofre a vertigem diante do destino abscôndito, o sentimento de culpa da própria finitude, a náusea em face do Nada, simplesmente porque para ele não há o Nada, há o Tudo. Existencialmente, é um homem face do Tudo. Do Tudo quanto está por fazer no mundo que é o seu. A filosofia da existência, precisamente porque foi sempre produto cultural do centro dominante, tem-se ocupado até agora, entre outros temas, em especular sobre o Nada, o que evidencia não estar interessada em coisa alguma e muito menos em modificar a situação real do homem. Mas a filosofia da existência, pensada a partir da situação do filósofo do mundo periférico, revela que, do lado de cá, o homem está em presença do Tudo quanto precisa fazer para realizar-se existencialmente; ressalta mais claramente, portanto, como essência da situação humana, o “a fazer”. […] Porque só fazendo o que precisa fazer, é possível ao homem, e mais particularmente ao homem das regiões subdesenvolvidas, realizar o seu ser. Ora, “o que ´preciso fazer”, neste segundo caso,  não consiste em outra coisa senão em modificar materialmente a circunstância onde subsiste, ou seja, em promover o desenvolvimento nacional. Não tem nenhum direito à futilidade intelectual , quando está diante de imperiosa exigência do mundo a que pertence.” (VIEIRA PINTO, 1960 [I], p.65)

Citações no livro: Consciência e Realidade Nacional [volume II: A consciência crítica]

  • “A questão da liberdade não deve ter aqui nenhuma interferência; veremos mais tarde como surge e de que modo convém discuti-la, depois que tivermos entendido devidamente o comportamento ativo como relação total do homem ao mundo, no qual se encontram os fundamentos da ação, e por conseguinte as justificativas, as razões e as finalidades dela. Compreende-se desde logo que será também na base dessa referência que se resolverá a questão dos critérios éticos da ação. São estes um aspecto essencial do problema de atividade, pois não teria sentido compreendê-la reduzindo-a à descrição do movimento mecânico de um corpo entre outros corpos. A característica da atividade humana superior, consciente, é o produzir “com o fim de “; isto significa uma modalidade de procedimento muito peculiar. De fato, o desempenho da ação afeta não apenas os corpos sobre os quais incide, como igualmente os outros homens, direta ou indiretamente, pelas relações que mantêm com os corpos visados, dando em resultado que o ato humano só se constitui como tal em condições sociais. As relações entre os homens são mediatizadas pelas coisas, e daí provém a possibilidade de que o domínio de um pequeno grupo sobre extensas massas se exerça mediante a posse, por esse grupo, de objetos, por exemplo, as máquinas de produção industrial, que afetam vitalmente a existência das massas. ” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.190)
  • “[…] a consciência só é livre porque acredita ser o oposto da realidade material, a negação do ser, da natureza física, do estado social, se julga distinta do processo sobre o qual, contudo, é capaz de operar. A liberdade é o atributo do ente que existe por si e tira de si a lei da sua conduta. A ação, corporificada no manuseio das coisas, não é apreendida pelo lado do fazer empírico, mas em sua origem na consciência independente. O mundo oferece unicamente o material sensível para o exercício da liberdade, porém a presença de tal material é de direito sempre acidental, ainda que constante. O ato livre prescinde de qualquer condicionamento, porque se faz superando os limites e determinações que a natureza impõe aos fatos físicos, não livres. Para o exercício da liberdade, o mundo oferece apenas as oportunidades, a fim de que a consciência decida, no agir, sobre o que deseja “pôr” na realidade, incluir na seqüência das ocorrências, como efeito surgido de si própria. Seria indevido, assim julga esta doutrina, confundir a mera oportunidade com o verdadeiro condicionamento. A teoria da oportunidade coloca necessariamente no plano metafísico a fundamentação da liberdade.” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.254)
  • “Explicar o gesto livre em linguagem racional em nada melhoraria o entendimento que dele tem a consciência, que o apreende na atividade, na prática, sem necessidade de traduzi-lo obrigatoriamente em termos ou noções gerais, mas nem por isso ficando desprovida de certeza.” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p. 262)
  • “A certeza da liberdade não é ordem teórica, mas prática. Adquirimo-la todas as vezes que consideramos o nosso comportamento diante de uma situação concreta. […] A presença do homem no mundo é a premissa original imprescindível para compreender a liberdade. Partir da consciência pura é procedimento errôneo e improfícuo, só explicável em quem assume a postura idealista.” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.262)
  • “Eis a razão pela qual é o pertencer ao mundo enquanto origem da liberdade, que funda a possibilidade da consciência crítica, erigindo, portanto, a liberdade em categoria essencial desta, visto refletir as condições da prática social onde a liberdade se torna objetivamente existente. A consciência crítica é aquela que voluntariamente se estabelece como consciência crítica. É a que recusa ser ingênua, mas vê a ingenuidade como alternativa que lhe está sempre aberta. Sem a calara idéia da constante eventualidade da ingenuidade, a consciência crítica não seria de fato crítica, pois ainda que assumisse as atitudes correspondentes a este modo de ser, o faria cegamente, sem se ter decidido a assumir a sua realidade própria. A consciência crítica só se estabelece por um ato fundador, o qual consiste, em essência, para cada homem em aceitar o mundo onde existe. Mais estado do que dizer que a liberdade é atributo do pensar crítico, seria dizer que este é atributo da liberdade, no sentido em que esta é a prática social libertadora.”  ” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.265)
  • “O ato livre é um ato público, social, e como tal deve ser definido por critérios que a prática social impõe. Dêste modo, o conceito de liberdade deixa de ser o mistério ontológico diante do qual se esfalfa a literatura existencialista contemporânea, para se revelar como noção de ordem sociológica, política e histórica, que contempete à reflexão filosófica estabelecer e dilucidar. Se a liberdade é concreta, está ligada a determinada situação, aquela que permite a prática de atos livres. Logo, só se pode pensar a liberdade a partir de dado contexto histórico; do contrário, a via especulativa levaria a constituir a liberdade à parte dos atos livres reais. Na prática, só é livre a opção que se traduz pelo ingresso do ser humano no sistema de comportamentos que significam aceitar o mundo e executar os atos subseqüentes concordes com essa decisão, que a prolongam, reforçam e desenvolvem. Dizemos que há liberdade quando encontramos o homem já no interior dessa particular opção. Se alguém nos objetar que isso é absurdo, pois a liberdade deve localizar-se num momento anterior a esse, deve encontrar-se na realidade do homem antes de fazer a opção, e inclui, por conseguinte, tanto a preferência por este ramo da alternativa como a que fosse feita em favor do outro ramo, responderíamos que tal maneira de conceber o assunto é abstrata, porquanto em primeiro lugar faz recuar a liberdade para a opção em aceitar tal opção, o que levará a colocá-la ainda antes daquela, na opção pela opção dessa opção, e assim nos conduz a um regresso ao infinito, dando em resultado afundar a liberdade no ignoto de uma origem inacessível. Caímos nas trevas metafísicas. Perguntar pela causa da liberdade é formular um problema logicamente insolúvel, porque essa causa ou é livre, e temos aí o regresso ao infinito, ou não é livre, e não poderia dar origem a liberdade. Em segundo lugar, responderíamos, ainda, dizendo que a objeção proposta tira-nos a possibilidade de encontrar um critério objetivo para definir a liberdade, o que só ocorrerá se estabelecermos a situação na qual somos capazes de encontrá-la e reconhecê-la. Se a deixamos pendente da escolha insondável, se a fizermos assentar na oscilação indeterminada da vontade, reduzimo-la a um dado subjetivo, simples auto-sugestão psicológica, sem valor operatório. Por paradoxal que se pareça na fórmula verbal, é lícito dizer que liberdade não consiste em escolher, mas em ter escolhido. ” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.266-267)
  • “De todo modo, o tema a que nos dedicamos é o da liberdade na perspectiva da consciência social, e não o da análise existencial do indivíduo isolado, sem relações comunitárias, absorto na mediação sobre si mesmo. A simples atividade corrente, justamente porque não pretende alterar a realidade, antes precisa contar com a estabilidade das coisas para ter eficácia, não é livre, pois tem interesse em deixar o mundo como está, para repetir-se em outra ocasião. O ato em verdade livre é, portanto, aquêle que intervém no processo da realidade para transformá-la, em virtude de o indivíduo a ter aceito de antemão e se identificado com ela. Compreende-se, assim, que estabeleçamos, do ponto-de-vista da consciência social crítica, esta importante distinção: o determinismo é o modo como a consciência compreende o processo histórico da realidade nacional quando não pretende alterá-lo; a liberdade é o modo como o vê quando pretende alterá-lo.” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.269)
  • “c) A liberdade é o libertar” ” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.269)
  • “Só quando a consciência se exterioriza no desempenho de um projeto de “fazer ser livre”, é possível chamá-la de livre.” (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.270)
  • “O projeto fundador consiste para o indivíduo, como vimos, em assumir o mundo de que é parte, em dispor-se a pertencer a ele, não para contemplá-lo, e sim para modificá-lo. A modificação do mundo, de que se trata, não é uma qualquer, mas a que se evidencia como conquista objetiva de liberdade, numa palavra, como libertação. Logo, o ato livre fundamental é o ato de libertar o mundo. Descobrimos, assim, que a essência da consciência crítica se identifica à liberdade de libertar. A liberdade não é atributo de um ser, mas de um ato, a liberdade é o libertar. (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.270-271)
  • “Adquirimo-la quando contribuímos para libertar a realidade, isto é, o País, de alguma servidão que o oprime. Concebida enquanto qualidade do ser, é sempre abstrata; concebida como concreta, é sempre o ato pelo qual alguma coisa se torna livre. O ato mais geral da consciência livre, fundador dela mesma e de todos os demais, se exerce no projeto de libertação do mundo a que decide pertencer, em nosso caso, no projeto de libertação histórica do Brasil.”  (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.271)
  • “A liberdade é o libertar, e por isso só é conhecida na representação concomitante à prática dos atos libertadores, objetivamente em curso. (VIEIRA PINTO, 1960 [II], p.273)